quinta-feira, 30 de julho de 2015

Se solitário distancio-me
Além das sombras
Além dos desejos
E deito meu cansaço
No tênue balanço de rede
Dos disfarces
É que meu rosto reflete-se na nevoa
Úmida da janela
Do trem
- O último trem, vazio, noturno e preciso
- Na madrugada espanhola das desertas estações –
Minha memória ainda busca o sentido
Do reflexo da luz efêmera
No infinito campo de girassóis
Do norte de La Coruña.

Um dia Paris virá e será verão.
E vou sentar-me contigo para observar o sol
A se pôr atrasado, prolongando o dia,
Desprovido de pressa e de sentido –
Sim, a vida sem pressa e sem sentido –
Apenas o café
E os árabes conversando no café
E a hora do último metrô
Para Porte de Vincenes.
Um dia Paris virá
E será verão
E nossa vida fará sentido
Porque sua mão estará deitada,
Sem pressa,
Sobre a minha.
E não teremos nada para fazer
Depois do último metrô para Porte de Vincenes
Senão vagar pelas estreitas
- tão estreitas, estreitinhas,
Ao mesmo tempo tão minhas,
ao mesmo tempo de ninguém –
vielas do centro de Paris
Como fantasmas, margear o Siena,
Ouvir os sinos de Notre Dame
E desaparecer...
Ou dormir
Ou sonhar com os solares campos da Espanha
Sonhar que Paris virá
E será verão
E sobre a minha irás deitar
Suavemente sua mão.
Houve um tempo
Em que minhas possibilidades
Não incluíam a outra margem.
E a vida era mais simples sob o domínio de apenas um
Dos lados do espelho.
Todavia, há no meu olhar de hoje
Uma trilha vácua
Um pequeno vagalume a espreitar folhas nevoadas
Um cantar longínquo de um pássaro não identificado
A indicar que em algum momento
Vou encontrar as barrancas de terra vermelha
Erodidas pelo dente frio da água montanhesa
E terei que molhar meus pés sobre os seixos
E caminhar até a outra margem
De onde sequer poderei lembrar dos que adormeceram
- dos que docemente adormeceram –
Assim que limpei dos cabelos a nuvem matinal da garoa.
Espero o trem pra Taquaritinga
Então o tal trem pra Taquaritinga
Chegado atrasado infiel
Passará de noite com a sombra da noite
E eu perderei o trem
E eu perderei a noite
Perderei Taquaritinga
Fantasma da minha mãe
Ilusão de afeto
Não sou mais filho
Não és mais teto
Tudo passa e tudo agora
Ao mesmo tempo está
E partiu.
O trem pra Taquaritinga é um rio
E o meu coração é apenas  reflexo
Nas águas do rio de Taquaritinga
É certo que nunca existiu
Nem rio
Nem coração
Nem Taquaritinga.